Maracaibo e a reciclagem de Alexander Pfister

Alexander Pfister parecia que estava em rota direta ao panteão dos designers. Depois de 2 Spiel des Jahres seguidos por Broom Service e Isle of Skie e uma dobradinha de Mombasa e Great Western Trail, já tinha quem dizia que ele era o Midas do Boardgame, o autor que não errava, e aí veio Blackout: Hong Kong.

Longe de ser um jogo ruim, mas Blackout é um jogo simplesmente meh. Se nos jogos até então ele tinha criado coisas totalmente diferentes entre si, no Hong Kong pareceu que ele começou a reciclar o sistema de cartas do Mombasa mas não disse muito a que veio além disso e o jogo ficou esquecível. E pra mim, doeu ainda mais por que, tive a oportunidade de comprar 1 lançamento de Essen de 2018 com um conhecido que vinha de lá e essa foi minha escolha. Vendi após a 1a partida.

E se gato escaldado tem medo de água fria, eu já estava cabreiro com o Maracaibo. O jogo me pareceu uma reciclagem de tudo que o Pfister já tinha usado em outros jogos juntado na forma de um jogo novo. Mas embora essa afirmação seja de fato verdadeira, o jogo funcionou.

Maracaibo é um jogo totalmente inspirado no Great Western Trail. Tanto que um amigo disse que poderia se chamar Great Caribbean Sail e é verdade. No jogo você tem aquela mecânica de andar em circulo pelo tabuleiro, como em um rondel, caminhando de 1 a 7 espaços e fazendo a ação de onde você para. Existem elementos que fazem você lembrar do certificado de qualidade do seu gado, existe aquele upgrade de tabuleiro do jogador tirando discos que que bloqueavam ações mais avançadas e uma track onde os exploradores andam pulando um por cima dos outros como a locomotiva do Rei do Gado. Há ainda elementos que lembram o Mombasa com a disputa territorial das empresas e o jeito de usar a carta como um Recurso exatamente igual (até na arte) ao Oh My Goods. Mas apesar de toda reciclagem de mecânicas, símbolos e mecanismos de outros jogos, o jogo tem sim diferença suficiente para que você lembre, mas não sinta, em hora nenhuma, que está jogando uma versão do mar de GWT ou outro jogo do Pfister.

A primeira grande diferença, que já muda completamente jogo é que, enquanto um é deck building, o Maracaibo é engine building. Ou seja, você vai construindo um tableau de cartas que vão lhe dando poderes e melhorando suas ações até um nível que fica quase que roubado. E isso sozinho, já faz desse, um outro jogo. Aqui, o Pfister faz uma coisa bem interessante: enquanto em outros jogos se engine de cartas, a mão que você compra é muito importante, nesse é zero!

É interessante olhar como uma pessoa se comporta pela primeira vez jogando Maracaibo. Ela monta um combo na mão e decide, com o tempo, tentar baixar todas as cartas, afinal, é isso que fazemos em outros engine buildings. Mas na verdade no jogo você pode (e deve), quase sempre, descartar sua mão inteira e repor ela novamente. Com isso, você vai até ter como guardar umas 3 cartas essenciais para sua estratégia, mas o resto, tem que ter desapego. Deixa passar e compra 4 cartas novas no fim do turno. Isso é interessante pois foi uma maneira de mitigar a sorte sem ter de implementar, por exemplo, um draft que sempre adiciona mais tempo ao jogo. Saiu com uma mão ruim? Descarta ela e recompra a próxima.

Outra vantagem em relação a GWT é que Maracaibo é mais fluido. O GWT começa rápido mas com o tempo, ao se construir prédios, etc, o jogo fica mais travado. Em Maracaibo o teu engine cresce, mas o tabuleiro se altera muito pouco. Dessa forma, não dá nem tempo de dar uma olhada no whatsapp pois já vai ser sua vez de novo. É engraçado que o jogo tem a mesma duração de GWT e Mombasa (2 a 3 horas) mas jogando, parece que durou muito menos que isso, e esse, é um ENORME mérito do Pfister.

Até mesmo conseguir dinheiro, que sempre é um parto em GWT, é mais tranquilo em Maracaibo. Você tem uma track de receita de dinheiro (e outra de pontos) que pode ser avançada pelas cartas que você desce. Mas você já começa com a receita mínima de 8 que já dá para baixar algumas cartas no teu jogo de forma que você se sente menos restrito.

Outra vantagem é a variedade de estratégia. Em GWT é aquilo de vaqueiro, engenheiro ou construtor só e sempre um jogador acha que uma (qualquer uma) é disparada mais forte apenas por que ele não sabe jogar bem de outra maneira rs. Mas Maracaibo, existe um pouco mais de opção, justamente pela variedade de cartas que lhe permitem fazer diversos combos.

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Tabuleiro poluído e muito feio

Uma última coisa que achei bem interessante também, foi como o Pfister implementou aqui o tempo variável do turno de acordo com a vontade dos jogadores. Eu adoro isso. Sabe como, em GWT que você pode sair andando de 1 em 1 parando em casa casinha, ou girar logo até Kansas para entregar o gado e acelerar o jogo? Então, Maracaibo evolui essa mecânica pois o round acaba, IMEDIATAMENTE, quanto a pessoa atinge o final do tabuleiro. Em analogia ao GWT, seria como se a rodada acabasse quando alguém entrega gado em Kansas e recomeçasse lá debaixo tudo de novo. E após 4 entregas acabou o jogo. Ou seja, essa aceleração é muito mais visível e notável do que em GWT e isso dá um controle estratégico aos jogadores da duração do jogo e das estratégias.

Por exemplo: uma vez joguei com pessoas que estava andando de 1 em 1 e por isso eu parei para fazer minha estratégia de longo prazo, fazendo um motor de pontos grande com vários combos de carta. Em outra partida, vi que os jogadores estavam andando de 7 em 7 e por isso readaptei meus planos para fazer uma estratégia de pontos mais rápidos e menos combos. E do mesmo modo que isso permite que você acelere o fim, nunca alguém é pego totalmente de surpresa pois, no penúltimo espaço, a pessoa é obrigada a parar, meio que avisando a todos que a rodada acabará no próximo turno.

Acho então que Maracaibo vai ser um sucesso para quem curte o Pfister. O jogo é ótimo para quem gosta de turnos rápidos, com baixo downtime, ausência de bloqueio entre jogadores, e jogar com inúmeras possibilidades abertas ao invés de competição por ações. É perfeito para quem gosta de jogo que dá liberdade para fazer muito ao invés de restrição para tirar leite de pedra a cada ação. Ele engrandece te dando mais caminhos ao invés de restringindo recursos.

Eu diria que a maior desvantagem de Maracaibo foi ter vindo depois de GWT, pois, ao fazer isso, a sensação de novidade, originalidade ou estar jogando algo diferente não existe mais e por isso, o jogo não terá a mesma relevância que seu antecessor. Mas tivesse Maracaibo vindo antes, é possível que a gente tivesse discutindo atualmente, se GWT é melhor que Maracaibo.

Outra coisa pavorosa no jogo é a arte. Meu deus do céu! A minha impressão é que o cara quis economizar no design gráfico e deu pra o sobrinho de um colega dele fazer. O menino é fera nesses negócio de computador sabe. Eu tive a oportunidade de jogar o protótipo desse jogo lá em Março desse ano. Na época, eu achava que era uma arte provisória apenas para fazer o jogo funcional enquanto se desenvolvia ele. Então imaginem minha surpresa ao abrir o meu Maracaibo e dar de cara com a mesma arte tosca que eu tinha impresso em papel A4. Sério, é tudo muito feio! O tabuleiro é feio, as letras usadas é tipo, Times New Roman 12 e dane-se, vai assim mesmo. Pra mim, a cereja no bolo da feiura desse jogo é a carta de almirante(APPOINTED ADMIRAL). Ao realizar 3 objetivos no jogo você vira a carta, e apenas para dar um sabor temático e visual, e nada além disos, você encaixa ela no mastro do seu navio. Mas detalhe, o mastro da carta não encaixa no mastro do navio, de forma que ou o mastro fica torto ou a carta deslocada pra fora do playerboard, matando de nervoso quem tem TOC com essas coisas. E não preciso nem falar nada da arte da carta né? Deixo aí uma foto pra vocês verem.

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O que é essa carta de almirante?????

Mas verdade seja dita, acho que o jogo é um prato cheio para quem curte o Rei do Gado. Ou mesmo para quem gosta de jogo que você tem a sensação de estar fazendo bastante coisas ao invés de não estar fazendo nada. O jogo ainda vem com uma pequena campanha para jogar partidas diferentes. Pelo que eu vi, não é exatamente uma campanha propriamente dita, mas sim, várias partidas com histórias que vão acontecendo e trazem um setup diferente a cada jogo. Mas não é um campeonato. São 10 partidas individuais, onde você ganha cada uma e pronto, mas a cada partida a história começa de onde aquela parou e novos tiles são adicionados modificando temporariamente o tabuleiro. Bem no estilo que ele faz com a expansão de Oh My Goods!

Maracaibo é ainda diferente o suficiente de GWT para que você não acha que está jogando a mesma coisa. Os 2 cabem facilmente na coleção sem concorrer e diria que será um segundo favorito para quem já curtia o primeiro.

Uma pena que não há, por enquanto, nenhuma notícia da sua vinda ao Brasil pois, com a ausência do GWT das prateleiras da loja, Maracaibo, com certeza, supriria a altura essa necessidade.

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